quarta-feira, 23 de junho de 2010

Telegramas sobre a Política Brasileira

Para Entender Melhor a Política Brasileira via Questionário FGV
Eduardo Magalhães


1. O modo como ocorrem as eleições no Brasil como tempo no horário político, financiamento e fiscalização das campanhas e propagandas caracterizam um modelo democrático? O que pode ser feito para melhorá-lo?

O horário gratuito de TV e rádio tem tido um papel salutar no aperfeiçoamento da democracia brasileira mesmo apresentando as vantagens do seu aproveitamento pelos partidos mais ricos. A divisão eqüitativa de parte do tempo de televisão e rádio já é um avanço extra-ordinário. O próximo passo será, ou deverá ser, a redução do número de partidos com direito a esse tempo porque a História Política Brasileira tem demonstrado que muitos partidos e seus candidatos ocupam esse espaço por razões muito estreitas e em alguns casos por razões meramente econômicas e financeiras. Financiamento de campanhas é tópico para uma tese doutoral e incorpora tanto a necessidade (e importância) da fiscalização como o uso da propaganda como uma ferramenta a ser utilizada na construção da democracia. Como melhorá-lo? Reduzindo o número de partidos com acesso a TV e rádio e inibindo a oficialização de partidos nanicos de vocação meramente comercial.

2. Qual a sua opinião sobre o eleitorado brasileiro? Ele é caracterizado como participativo que analisa as propostas dos candidatos ou está mais ligado a questões pontuais e benefícios próprios?

Obviamente, a principal razão para o eleitor votar em determinado candidato desse ou daquele partido é a satisfação de interesses pessoais do eleitor. Esses interesses podem ser filosóficos, ideológicos, profissionais, corporativos, materiais, não importa, são prioritariamente interesses pessoais. Na escolha está sempre presente a razão e a emoção. A literatura política mundial parece apontar para o fato de que há sempre o predomínio da emoção sobre a razão.

3. As políticas públicas no Brasil assumem um viés eleitoreiro?
Infelizmente, sim. No entanto, com o surgimento de um sentimento de brasileiridade novo e autêntico que emerge com o Plano Real, já fica facilmente identificável no Brasil uma gama de programas e ações que são muito mais de Estado do que de governo. Quando se espreme a propaganda e a proposta da candidata Dilma Rousseff, por exemplo, chega-se à óbvia conclusão de que Lula conseguiu transformar a sua administração em 15 anos e meio de políticas públicas que incorporam todos os aspectos positivos do Plano Real transformando-os em algo como o “Projeto Brasil”, do Senador Teotônio Vilela, O Menestrel das Alagoas, na década de 70, do século passado. Mais de 90% das propostas do PSDB e do PT são equivalentes ou absolutamente iguais. Os menos de 10% diferenciados são apenas pequenos detalhes de uso mais pirotécnico do que político.

4. Qual a relação da falta de políticas a longo prazo com o sistema eleitoral do Brasil (tempo de mandato, partidos, propaganda)?
A resposta acima já contempla esta questão. Em 1989 tivemos 22 partidos disputando a eleição para Presidente da República. Em 2010 temos 2 bi- polarizados e um partido coadjuvante que exerce o papel que partidos pequenos desempenham nas grandes democracias (como a dos Estados Unidos) que defendem poucas bandeiras que esperam esses partidos venham a ser eventualmente encampadas pelos partidos principais.

5. Programas de ação imediata como o Bolsa Família é alvo de controvérsias entre diferentes opiniões. Por um lado, é tido como um programa que promove condições básicas e mínimas a cidadãos com baixa renda mediante algumas condições positivas (presença escolar). Por outro lado, é visto como um programa que concede renda a parte da população, porém não a ensina a gerar renda, criando um ciclo vicioso com intenções eleitoreiras. Qual a sua análise sobre essa situação tendo em vista programas desse tipo como um todo, o sistema eleitoral no Brasil e o eleitorado brasileiro?

Alguns cultores da Teoria Política defendem que o Estado é responsável por todos os seus cidadãos. O Welfare State do New Deal, de Roosevelt, nos Estados Unidos a partir de 1933, caminhava por essa orientação. Não deve causar surpresa que o intelectual Fernando Henrique Cardoso tivesse considerado essa responsabilidade do Estado quando implementou as políticas sociais muito bem sucedidas desde a implantação do Plano Real. Muito mais do que políticas eleitoreiras, esses programas sociais devem ser vistos como uma lição às elites de dominação brasileira que historicamente jamais se preocuparam com a base da pirâmide.

6. Por que há na sociedade brasileira grande dificuldade para mudanças estruturais no país, como a reforma na educação básica, por exemplo? De que forma isso pode vir a ocorrer?

Porque as elites que por séculos historicamente têm dominado este País jamais manifestaram interesse real em reformas que viessem a reduzir as diferenças entre a base e o topo da pirâmide. A saída é clara e insofismável: educação. Tudo indica que essas reformas, indispensáveis na Educação brasileira, como um todo, do pré-escolar ao fundamental, passando pelo trágico ensino médio e culminando num ensino superior retrógrada onde a ligação ciência e tecnologia não existe, estão longe de ser concretizadas.

7. Os principais financiadores de campanhas políticas são empresas que após as eleições costumam aparecer como beneficiários de ações do governo. Até que ponto esse modelo é correto? O que pode ser possível para melhorá-lo?

Não é questão de ser correto ou não. O importante é que isto é uma realidade que tem que ser enfrentada sem subterfúgios por parte do Poder Legislativo que cria as Leis e do Judiciário que julga a sua execução. Financiamento público de campanhas poderá ser uma alternativa menos má, mas nada garante que seja a solução ideal.

8. Por que há na sociedade brasileira grande dificuldade para mudanças estruturais no país, como a reforma agrária? Existe um grande controle das classes mais altas sobre os rumos políticos do país? De que forma isso ocorre?
Mudanças estruturais são difíceis para qualquer sociedade. Quando há mudanças, principalmente mudanças profundas, há sempre interesses contrariados. No caso do Brasil esses interesses maiores contrariados cabem à uma elite predatória que com muita dificuldade começa a entender a importância de uma distribuição mais justa da riqueza da nação.

9. Quais reformas seriam essenciais para a formação de uma sociedade mais igualitária e democrática em que a população em geral participasse das decisões políticas?

Essas são reformas dificílimas porque elas aninham-se no inconsciente coletivo de uma sociedade historicamente egoísta e individualista. Tirante as baboseiras que eram difundidas nos textos de EPB durante a ditadura, é muito difícil identificar o “homo brasilensis”. Talvez a característica principal do brasileiro seja provavelmente o maior empecilho na trajetória do País em busca de uma democracia plena: O brasileiro não gosta de ser igual a ninguém.

10. Em sua opinião, o voto distrital adotado em países como o EUA, seria uma solução para um maior vinculo do povo com seus representantes políticos?

Como em vigor nos Estados Unidos, seria um desastre. O sistema distrital caracteriza-se pelo princípio majoritário do “winner takes all”. No sistema de voto distrital não há como as minorias sobreviverem. Num Estado como São Paulo onde há uma representação étnica razoável tanto na Assembléia Legislativa como no Congresso Nacional, essa representação seria reduzida a quase nada num sistema onde prevalecesse o voto distrital como praticado nos Estados Unidos (diferentemente do que ocorre na Alemanha).

11. Diante de escândalos de corrupção, pobreza extrema e direitos não respeitados, o povo brasileiro apresenta protestos com participação de pequena parcela da sociedade e focada em alguns movimentos sociais. A população brasileira não exerce sua cidadania? Por que?

Para que a sociedade exerça sua cidadania é necessário que ela, que os seus componentes se sintam responsáveis pelas decisões tomadas e a serem tomadas que afetam seu próprio destino. Nenhum país moderno sofre tanto da velha “anomie” francesa como o Brasil. Essa anomia é tão severa que até as grandes entidades classistas perderam a sua identidade e hoje são apenas “lobbies” indiferenciados a serviço dos seus “proprietários”.

12. A mudança da capital do Brasil para Brasília distanciou o Governo Federal dos protestos e pressões populares?

Não. A queda de Fernando Collor é o maior exemplo da força dos protestos e das pressões populares. Ela ocorreu de forma muito mais devastadora em Brasília porque aí não há como desviar o foco, como confundir os objetivos. A mesma coisa com a iniciativa popular da “Lei do Ficha Limpa.”

13. O voto obrigatório no Brasil traz resultados positivos ou negativos à nossa democracia? Por que?

Como uma maneira de educar o eleitor brasileiro quanto às responsabilidades da cidadania, o voto obrigatório é muito salutar. Supondo-se que o voto, o ato de votar, é algo inerente ao funcionamento da democracia, nada mais justo de que ele seja obrigatório. Quanto ao fato de que as decisões a serem tomadas pelos eleitos, no exercício dos mandatos outorgados pelo voto, não dependem do interesse manifestado pelos eleitores na eleição dos detentores dos mandatos a quem cabe tomar essas decisões (os americanos chamam isso ausência de “accountability”) não há nenhuma razão para que o voto seja obrigatório.

14. Alguma observação ou comentário.
Bom exercício intelectual boiando no oceano da utopia política brasileira.